sexta-feira, 7 de outubro de 2011


A travessia da pinguela                                                                                                                                          
          
                                                                         

   Ano de 1966 ou 67; se bem me recordo, tinha entre cinco a seis anos de idade. Voltava de uma cidadezinha distante do Sítio onde morava; São Tomas de Aquino, Minas Gerais;  mais ou menos seis quilômetros. Naquele inesquecível dia, junto comigo, estava meu pai, minha mãe, meu irmão três anos mais velho e o  caçulinha.
    Como se trata de memória de criança, deveria ser por volta das 21h a 21h30; quando atravessávamos aquela pinguela. Como meu pai demorou resolver seus negócios na cidade, tivemos que regressar para casa um pouco tarde;  fazia tempo que  estávamos  caminhando por aquelas antigas estradas de carros de boi. Meu pai trazia na cabeça um tacho grande de ferro, para fritar toucinho e carne de porco. Nas costas, como era de costume, suportava uma carga de compras de alimentos e remédios  para minha mãe.
    Logo depois, a estrada viria a desembocar num trilho dentro de uma pastagem cheia de vacas bravas, para finalizar em uma matinha fechada. Na frente caminhava minha mãe com o bebê de colo; atrás dela; eu, meu outro irmão e por último meu pai. Para mim, chegara a hora tão temida; pois sem laterna para iluminar o caminho, tínhamos que atravessar aquela pinguela estreita de tora; e ainda por cima, mal conservada. Era no mínimo, algo de muita coragem para uma criança como eu. Porém não titubeei; calcei a alma com a coragem de um leão e  a dúvida de um principiante  e caminhei atrás de minha mãe.
   Abaixo da pinguela, um riacho calmo, silencioso e ao mesmo tempo murmurante;  parecia induzir-me à cautela.Estava eu, mais ou menos, no meio da pinguela,  passo a passo, segurando com as duas mãos num bambu velho e mole, que servia de corrimão. Foi nesse instante, que ouvi a voz da minha mãe gritando:
  - Corri Zé, o menino está caindo na água!... Meu pai soltou o saco de remédios e compras, vindo ao meu encontro; mas a essas alturas, minha mãe apavorada e trêmula, já havia dado  uns passos para trás e segurando-me.
  - Foi só um susto!... Com os gritos, o vizinho do outro lado do riacho veio ao nosso encontro, com um lampião à querosene e nos socorreu. Ajudou-nos a atravessar as coisas do outro lado da pinguela. Meu pai ainda conseguiu salvar o saco de compras que havia caído na água. Agradecemos a generosidade do vizinho e seguimos em direção à nossa casa, que ainda estava distante. Tempos depois conscientizei-me que aquele homem que nos ajudou, além de amigo e vizinho, era também nosso primo distante.
    No entanto, até hoje me resta uma dúvida; vejo-me em cima daquela pinguela, e sinto-me, que não estava caindo coisíssima alguma; mas lembro-me da gritaria toda. Acho, que na preocupação zelosa, talvez, minha mãe tenha se confundido e exagerado.  Nunca entendi bem, o que realmente  aconteceu naquela noite.
    Será que minha mãe sabia mesmo, o que estava ocorrendo comigo?!... Dúvidas para sempre... E assim, entre muitas que viriam posteriormente... vencíamos mais uma etapa de nossas vidas, que em minha memória,  fixou morada.
       

                                                                            Roniel Cardoso


2 comentários:

  1. Cardoso amei o texto, acho que uma leitura é boa quando nos envolve e transporta e foi isso que aconteceu, também atravessei a pinguela!

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  2. Gostei muito, já quero ler o próximo!!!

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